Verdade ou Fake News?

O livro Esquadrão Curioso – Caçadores de Fake News”, do jornalista e escritor Marcelo Duarte, lançado em 2018, acaba de ganhar uma versão no formato podcast. “Caçadores de Fake News” chega hoje (4) às principais plataformas de streaming (Spotify, Deezer, Google Podcast e Apple Podcast, entre outros). Misturando ficção com realidade, os quatro personagens da trama – Isa, Pudim, Leo e Débora – entrevistam 11 jornalistas, educadores e formadores de opinião de Brasil, Estados Unidos e outros países, para entender o que são as fake news, como elas surgem e como se espalham tão depressa, os perigos que causam e como combatê-las.

A série teve apoio da Embaixada e Consulados dos Estados Unidos no Brasil, por meio de seu Edital Anual de Projetos, que financia programas que fortaleçam as relações entre Brasil e Estados Unidos, destaquem valores compartilhados entre os dois países e promovam a cooperação bilateral.

“Informações falsas podem até tirar vidas, então é crucial fomentar o pensamento crítico em jovens desde cedo, de modo a ajudar a formar cidadãos engajados e conscientes.  Os Estados Unidos já têm bastante experiência nessa área e achamos que é importante dividi-la com os brasileiros”, afirmou o cônsul-geral dos Estados Unidos em São Paulo, Adam Shub.

São cinco episódios de 20 minutos com muito entretenimento e informação, que poderão ser trabalhados nas escolas, com alunos do Ensino Fundamental e Médio. “Não quisemos limitar a faixa etária, pois nunca sabemos quando a criança passará por uma situação assim. Elas precisam estar preparadas”, afirma Marcelo. Os educadores poderão encontrar sugestões pedagógicas, o perfil dos entrevistados, links importantes e até mesmo um glossário no site http://www.cacadoresdefakenews.com.br, criado especialmente como suporte do podcast.

Na trama, os personagens recebem o desafio de criar um podcast sobre fake news para um trabalho escolar. Com o objetivo de coletar informações relevantes e verdadeiras para o programa, eles conversam com diversos jornalistas especialistas no assunto de todas as formas – pelo telefone, trocando mensagens de WhatsApp, entrando em plataformas de reunião e mesmo presencialmente.

Os episódios têm muito humor. Dublados por atores profissionais, os personagens foram muito bem recebidos pelos jornalistas convidados, que entraram na aventura e colaboraram com sua didática e muito conhecimento.

Fazem parte do elenco Mariana Elisabetsky (Mudança de Hábito, O Mágico de Oz e Grease), interpretando Isa; Arthur Berges (Um violonista no telhado, Rent e Chaplin – O musical), que dá voz ao Pudim; Luciana Ramanzini (Natureza Morta e Bento Batuca), no papel de Débora; e Hugo Picchi (Cocoricó e Irmão do Jorel – Cartoon Network), que faz Leo e o narrador.

“É urgente e necessário falar de educação midiática e, agora, mais do que nunca, precisamos que nossos jovens aprendam a importância de uma notícia bem apurada. Estamos vivendo um momento crítico, as pessoas precisam confiar e acreditar na imprensa profissional”, diz Marcelo.

Confira os jornalistas convidados:

Gilmar Lopes: é analista de sistemas e checador de fatos. Foi um dos pioneiros na apuração de fake news na internet – antes mesmo de o termo ter sido inventado. Criou o site E-Farsas em 2002.

Januária Cristina Alves: jornalista, educomunicadora e pesquisadora de histórias de tradição oral. É autora do livro “Como Não Ser Enganado pelas Fake News”, em parceria com Flávia Aidar.

Cristina Tardáguila: fundadora e dona da Agência Lupa, uma das principais agências de checagem de fatos do país. Atualmente, é diretora adjunta da IFCN (International Fact-Checking Network), sediada na Flórida, EUA. É coautora do livro “Você Foi Enganado – Mentiras, Exageros e Contradições dos Últimos Presidentes do Brasil”, de 2018, com Chico Otávio.

Edgard Matsuki: jornalista e editor do site de checagem de fatos Boatos.Org, que ele criou em 2013.

Patrícia Campos: uma das mais importantes e premiadas jornalistas brasileiras da atualidade. Foi vítima de campanhas de difamação na internet por causa de reportagens investigativas que publicou. Escreveu o livro “A Máquina do Ódio”, em que revela como as redes sociais vêm sendo manipuladas por políticos inescrupulosos.

Filipe Vilicic: jornalista e profundo conhecedor dos mecanismos que regulam as redes sociais. Escreveu os livros “O Clique de Um Bilhão de Dólares”, em que conta a história do brasileiro que criou o Instagram, e “O Clube dos YouTubers”, sobre os milionários nascidos dentro da plataforma de vídeos.

Rodrigo Ratier: Jornalista, professor e pesquisador sobre fake news na Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo.

Esther Wojcicki: uma das mais respeitadas e premiadas educadoras dos Estados Unidos. É professora de jornalismo e fundadora do Centro de Mídias e Artes da Palo Alto High School, na California, especialista no ensino híbrido e uso de tecnologia na educação. É autora do livro “Moonshots na Educação – Ensino Híbrido e Aprendizagem Colaborativa na Sala de Aula”, já traduzido para o português pela Panda Books.

Fernando Esteves: editor do site “Polígrafo”, pioneiro na checagem de fatos em Portugal.

Cláudio Michelizza: editor do site italiano “Bufale”. Bufale é uma gíria para notícia mentirosa, sem fundamento.

Madelyn Webb: pesquisadora investigativa do site de checagem de fatos First Draft.

Sobre o autor

Marcelo Duarte é jornalista, apresentador e diretor editorial da Panda Books. Como jornalista, passou pelas redações das revistas Placar, Playboy e Veja S. Paulo. Também trabalhou no Jornal da Tarde, nas rádios Bandeirantes e BandNews FM, e na ESPN-Brasil. Estreou como escritor em 1995 com o best-seller O Guia dos Curiosos, que deu origem a uma coleção já com nove volumes. “Esquadrão Curioso – Caçadores de Fake News” é seu 29º livro. Escreveu os roteiros do podcast “Caçadores de Fake News”.

Pode história toda hora? Pode. Podcast!

Já fui coluna em jornal, já fui blog, já fui vídeo no Youtube e agora o Toda Hora Tem História é também um Podcast!

A partir do dia 26 de janeiro, sempre às terças-feiras, teremos um novo episódio disponível nas principais plataformas digitais com histórias para crianças de todas as idades.

Na primeira temporada, que lançaremos na próxima terça, vamos iniciar uma viagem pelo incrível mundo dos “Bichos que falam e criaturas misteriosas”.

Preparem os fones e caixinhas de som!

O Podcast Toda Hora Tem História é um projeto aprovado pela lei federal Aldir Blanc e financiada pelo Fundo Municipal de Cultura de Santo André. 

Abrapoema

Abrapoema - Comprar em Juliana Valverde

UM CONVITE SEM TEMPO

A Escritora Juliana Valverde realizará, dia 10/10, próximo sábado, o lançamento do Livro Infantil “ABRAPOEMA”, com formato virtual, em live no YouTube. A autora e a ilustradora, Clarice Cajueiro, conversarão com Augustina, Greice e Úrsula, personagens palhaças do Circo Di SóLaides, que já conquistaram o coração das crianças paulistanas. Serão lidos poemas e sorteados exemplares do título físico àqueles participantes do evento que residirem no Brasil. O livro tem Design gráfico de Darkon Vr e está sendo publicado pela Editora Ozé. O evento ocorrerá às 15h. (no YouTube: http://www.youtube.com/circodisoladies).

Conforme palavras da própria Juliana, “Abrapoema é um convite sem tempo, um convite a abrir mundos, palavras, versos, imagens, cores… Tudo o que for surgindo no levantar e abaixar das abas (sim, este livro tem abas!), no virar e desvirar das páginas. E sempre na duração da sua relação com cada uma dessas coisas, porque “cada coisa tem seu tempo”.

O livro é dividido em duas partes: na primeira, “Abrapalavra”, Juliana faz jogos e brincadeiras com palavras, na tentativa de produzir sentidos. Para ela, é “como se os sons e as escritas das palavras desejassem ser uma porta para ir além (delas mesmas)”. Na segunda, “Viraverso”, a autora trabalha sempre com um ou dois versos no verso de cada verso, “vejo esse ‘verso no verso’ concluindo as ideias, porém abrindo os jeitos de ler.”,

As ilustrações trazem a vontade de “abertura” que vem desde o começo do projeto do livro. O giz de cera foi a escolha da baiana Clarice Cajueiro e visa se aproximar da beleza e da potência do “simples”. Explora o alargamento ou a extrapolação da figuração costumeira, principalmente em livros infantis,  na busca de imanências motivadoras de muitos jeitos de abrir, possibilitando ficar diante de uma mesma imagem desembrulhando sentidos atemporalmente.

Baiana de Salvador, Juliana sempre gostou de ouvir, ler, contar e cantar palavras. Estudou Letras, Música e Literatura.  Com sete anos de idade, foi morar em São Paulo, levando consigo muito afeto, música, imaginação e memórias avoengas – negras, indígenas, espanholas, portuguesas, brasileiras, baianas. “Brinco de ser poeta, cantora, compositora e editora de textos”, diz Juliana.  O “Abrapoema” é seu segundo livro de poemas infantojuvenis. Antes publicou o “Mindinho maior de todos”. Estará lançando no próximo mês também o “Eu, ué!”, livro que acabou de ficar pronto. Todas as publicações infantojuvenis da autora saíram pela ÔZé Editora.

ABRAPOEMA foi selecionado no Edital do Governo do Estado de São Paulo, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa e o incentivo do Programa de Ação Cultural de Produção e Publicação de Obras de Ficção Infantojuvenil, em 2019. [O livro está disponível para compra neste site e na lojinha da Ôzé]

http://loja.julianavalverde.com.br/

O Livro já está disponível para compra na lojinha da Editora Ozé,  https://ozeeditora.lojaintegrada.com.br/abrapoema, ou pelo site http://loja.julianavalverde.com.br/
  http://loja.julianavalverde.com.br/.

Imaginação e Leitura, possibilidades de diálogo para a construção de algo novo.

Rene Magritte The Therapist
Rene Magrite – O terapeuta

O que podemos compreender como imaginação? Como ela se opera, aonde acontece e para o que serve? Imaginar é a mesma coisa que sonhar? O imaginário correspondente ao que chamamos de devaneio ou alienação? Existe uma intencionalidade do sujeito para imaginar? Imaginar é uma criação potencializada pela leitura? Qual seria a função de imaginar um mundo para os diálogos com a realidade?

Percebe como essas perguntas são conduzidas por investigações da linguagem? Jean-Paul Satre já teria dito a esse respeito que “a imaginação se apoia em palavras”.

Ao longo da história, a imaginação já foi considerada desnecessária para a razão, assim como foi tomada como o cerne para potência dessa capacidade de usar a razão, de pensar. A imaginação já foi delírio e classificada como inútil ou amoral. Não foi na República de Platão que lemos que a cidade deveria abrir as portas para que os poetas passassem, entrassem e saíssem sem participar do debate político uma vez que deles a imaginação trairia com mentiras, uma distorção do real, a inversão de quem toma o reflexo ou a sombra como a própria vida, como também brilhantemente nos fez saber no mito da caverna?

Ao recordar Zaratustra, a voz profética da narrativa de Nietzsche, o mesmo destino espera os poetas. Mas, Zaratustra se assume, também, poeta, e eis o paradoxo em perfeita harmonia com o prefácio que abre a obra, o que seria o grande sermão, o texto das três transformações do espírito, aonde se revela como ápice, para a metamorfose, evolução, a criança, ” a inocência, e o esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento, uma santa afirmação. Sim; para o jogo da criação, meus irmãos, é preciso uma santa afirmação: o espírito quer agora a sua vontade, o que perdeu o mundo quer alcançar o seu mundo”.

Então, como se poderia definir a imaginação, considerando essa vontade de vislumbrar mundos e criar realidades a partir dessas ideias em contraponto com as investigações racionais e concretas e científicas?

Retornar à leitura pode ser um caminho. Mas, antes, o que poderemos compreender como leitura se a capacidade humana de ler é muito mais ampla do que a conjectura explícita de um leitor supostamente mergulhado na narrativa de um livro que repousa em suas mãos?

Eu não tenho uma resposta útil para nenhuma dessas questões, mas reconheço por minha própria experiência leitora, que a leitura se amplifica a medida que o leitor passa a olhar o mundo com os olhos de quem o lê lendo a si mesmo, e isso, é, sem dúvida, desenvolvido com fluidez quando esse leitor se permite – e a ele seja permitido – estar à vontade com seus pensamentos, imaginar seus próprios mundos.

A leitura não encerra a imaginação, felizmente. Digo isso porque há quem se preocupe demais com o que leem os outros leitores. Há sempre uma janela na imaginação de quem lê. A janela da dúvida. A possibilidade de fazer da pergunta uma conversa. Conheci leitores que ostentavam bibliotecas de milhares de volumes, clássicos, grandes nomes, reconhecida notoriedade, e a afirmativa contundente de todos terem sido lidos. Nem por isso eu vi da imaginação dessas pessoas leitoras brotarem os melhores mundos, os mais dialógicos, discursos impregnados pelo otimismo da alteridade. O intelecto ascende ao se engrandecer no afeto. Ao contrário, há tanta leitura de sabedoria em gente que nunca leu uma página se quer.

Talvez o que temos de melhor nesse caso é a manutenção da dúvida, assim como o profeta, o leitor rejeita a não-afirmação sem abandonar uma pergunta que incida sobre ela. A imaginação e a leitura se relacionam nesse campo, onde a censura, mesmo engenhosa, nunca conseguiu penetrar por completo.

Poder crescer sem desejar exercer poder sobre outras pessoas é se manter criança…

Peter Pan não é um jovem que não quer crescer por falta de coragem. A passagem para a vida adulta que o esperava seria acovardar-se de si mesmo, incapacitar a própria mente para a fantasia, evocar em cada relação o domínio e o poder sobre o outro como uma guerra constante para manutenção das aparências.

Na infância as relações estão mais atreladas ao cooperativismo porque a todo momento a criança valoriza na própria vivência a presença dos outros companheiros, amigos, brincantes.

Na vida adulta teremos que nos desafiar a pensar fora dessa estrutura de poder para sermos pessoas livres, e respeitarmos a dignidade de todos, inclusive e principalmente de nossas crianças. Deveremos agir como colaboradores e não como autoridades. Porque enquanto exercermos nossos pequenos poderes sobre os mais frágeis, repetiremos a covardia dos opressores que fazem guerra só para mostrarem o quanto podem gritar mais alto.

Indignação e Descontentamento: a caligrafia dos sentimentos

Mulher com corpo de peixe, peixe com corpo de mulher. Bruno Pontirolli.

Os tempos nos obrigam a pensar como quem escreve sob a luz de um único toco de vela acesa. Falamos para nós mesmos, ao menos aqueles que são mais otimistas, que “tudo vai ficar bem”, e, ao mesmo tempo, sabemos, que nunca estivemos todos bem e isso sempre significou caminhar sobre o cadafalso: hoje pode ser o meu corpo a cair.

Uma amiga me envia a mensagem pedindo ajuda. Sem esperanças. Ela e eu. Respondo, tentando disfarçar a voz embargada, que devemos nos obrigar a olhar as pequenas coisas que nos fizeram chegar até aqui. O prato de sopa quente servido dentro de um prato de porcelana é definitivamente uma vantagem para poucos. Estar entre os sobreviventes por si representa privilégio, algo nos ampara e, por isso, também nos condena. A consciência desperta grita por fazer, e isso é como uma âncora, impede que o navio naufrague, torna-se impecilho real para o retomar da coragem, seguir jornada.

Decido falar para a minha amiga que muitos são os sentimentos, pontos cartesianos dessa bússola que a gente carrega por dentro. Podemos seguir o norte da indignação, fruto da consciência desperta, trabalhando juntas por um mundo mais equânime, ou, por covardia que é desamparo, ver o ponteiro girar sem parada, e nesse caso, seremos fatalmente flageladas pelo descontentamento.

A caligrafia dos sentimentos é uma ciência delicada. Por isso, decidi, há muitos anos, escrever no mural que se o amor dói, inimaginável é a dor de quem se alimenta mastigando ódio. Eu sei do amor sua falta de passividade, sei o quanto ele me revira as entranhas e me provoca vômitos. Já senti sua fúria, muitas vezes. Já olhei seu reflexo invertido no espelho. Quis domar a mim mesma pelo amor, por mais difícil que fosse e seja, pois a imagem retorcida do oposto aterroriza com fogo e sangue entre os dentes.

Muitas pessoas se perdem em brigas. Brigar é muito diferente de lutar. Para lutar devemos reconhecer princípios, afastar o desânimo e fazer escolhas, minuto a minuto, para manter elevado o espírito. Para brigar basta se deixar tomar pela vaidade sedutora de se pensar algo diverso do que somos, pequenos grãos de sal que só servem revolução multiplicados em ideias.

Agradeço a mensagem da amiga, ainda que seu desconsolo possa me abater, ela me confia sua fragilidade. E perdoo a mim mesma por não ter soluções em vista, nem para mim, nem para ela.

Retorno à escrita como uma carícia que não cura a dor, mas distrai a mente de suas fisgadas lancinantes.

É preciso simplicidade nesse raciocínio, a sinceridade de quem olha para as outras pessoas como um aconchego da própria confiança, alimentada pela ternura, gentil intimidade. Trocamos cartas, não como antigamente, hoje são mensagem luminosas que incorporam estampas, humores, “gifs” e “emojis”.

“Que os olhos

encharcados

de espanto,

transbordem

e derramem

assombro

sobre a vida,

o milagre

de cada dia.”

A cada dia vivido, a amizade vem como assombro.

A luta é infindável, mas nos alimentamos dessa sopa quente temperada com pequenas alegrias, cultivada em delicada porcelana, encantamento de quem convida a paz para ser hóspede.

Os hóspedes aproveitam tudo de melhor, riem, cultivam uma espécie de acalanto de amor naqueles dias em que recebem da casa o melhor da casa. Depois partem porque devem partir, porque é preciso seguir lutando.

Acreditar na paz é reconhecê-la como hóspede. Saber que ela nos deixará torna sua permanência sacrificante: podemos lutar para que ela queira ficar ou voltar mais e mais vezes; podemos amargar sua ausência mesmo na sua presença.

A caligrafia dos sentimentos, uma balança de precisão. Basta um grama de descontentamento para perder a indignação que move o coração do justo, salgando-o demais, apimentando-o demais, tornando venenosa a receita com a vingança que nos deprime e nos confina no labirinto do descontentamento.

– Penélope Martins

Hoje o livro Caligrafia dos Sentimentos,... - Roseana Murray E ...
O poema Assombro, citado no texto, assim como a expressão “caligrafia dos sentimentos”, em origem se encontram no livro Caligrafia dos Sentimentos, de Roseana Murray. Editora Feminas.

Vamos de história? #roteironainternet

 

Ana Luísa Lacombe é atriz e atua desde 1981. Por seu trabalho como atriz, ela já recebeu prêmios importantes, reconhecimento do público e da crítica especializada. faz mais de 15 anos que Analu, assim chamada pelas amizades, tem se dedicado à arte de contar histórias.

Neste sábado, junto com as aventuras de sua gatinha companheira, Aurora, Lacombe recuperou muitas histórias e poemas para homenagear os bichinhos de estimação que se tornaram companheiros essenciais para a vida de muitas pessoas, especialmente nesse tempo de isolamento social.

Ana Luísa Lacombe também é autora de livros, compositora de canções e intermediadora em cursos para narração de histórias. No site Faz e Conta, a artista mantém um site com informações sobre seu trabalho.

Agora, minha gente, ajeita a almofada, chama a família e os bichos que fazem parte da família, porque é hora de ouvir história com essa narradora muito especial:

 

Leitura e juventude: porque devemos reforçar vínculos afetivos com as narrativas

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Penélope Martins em narração de história na Biblioteca Pró-Saber, 2019.

Muitos são os debates sobre a necessidade de ampliarmos o público leitor, quer pela sobrevivência de selos editoriais que funcionam como um registro do pensamento contemporâneo e da cultura de um povo, quer pela objetividade que a leitura contém em si de promover meios para o exercício da cidadania plena.

Primeiro, é preciso investigar o que se entende por cidadania plena, algo que compõe a consciência do indivíduo sobre seus direitos e deveres somado à percepção de que a defesa desses direitos se efetiva na vida comum e coletiva.

A fase etária compreendida como adolescência antecede uma condição da ação de cidadania plena capaz de contrair obrigações variadas, sem a necessidade de autorização de outra pessoa. Aliás, na própria adolescência um dos direitos primordiais de cidadania se torna possível no Brasil: eleger representantes políticos para o exercício das funções públicas legislativas e executivas. Sem contar a emancipação por maternidade e casamento na adolescência, algo infelizmente comum em diferentes cenários do país.

Explícita é a relevância da autonomia crítica do pensamento na juventude: um sujeito de direito, prestes ou já votante, que responde criminalmente por seus atos e que se estabelece a apenas um passo de exercer todos os atos da vida civil sem interferência ou outorga de qualquer outra pessoa, ou seja, tornando-se responsável por si mesmo e frente aos demais, com as consequências pertinentes ao seu poder decisório.

Mas o que a leitura, especificamente a leitura literária, pode ofertar de suporte nessa dinâmica de instrumentalização da vida política do leitor e da leitora?

Sem dúvida, os livros são portadores de conhecimentos variados e não por acaso estão intimamente ligados ao universo escolar e acadêmico. Inegável o valor da educação de ensinamentos que constituem o fundamento do raciocínio, do exercício lógico, da vida prática com a linguagem, inclusive matemática.

E qual o papel da ficção nessa dinâmica do saber? Qual o papel da instrução subjetiva, metafórica, criativa?

A partir da construção de um imaginário individual e também coletivo, signos e significados são coletados, colecionados, decodificados, interpretados e correlacionados para construir uma identidade de pensamento.

Da experiência leitora depreende-se para além de quem se é o que os demais integrantes da nossa sociedade pensam e necessitam. Essa relação íntima que se processa de uma forma silenciosa e ativa ao mesmo tempo, uma vez que lemos com a permissão do não julgamento social, enfrentando em si mesmo, entre as múltiplas questões e sentimentos que emergem da leitura, o que somos e novas formas de pensar possíveis sobre o que somos. Essa imersão aparentemente focada no próprio universo particular de cada leitor e leitora conduz para a concretização de empatia social, a identificação com outras vidas e outras geografias humanas, algo que, em essência, é o motor das ações transformadoras e da criação de novas relações sociais.

Obviamente não estamos abordando que a leitura literária por si vá conduzir a pessoa leitora a agir com mais altruísmo social porque, como já expresso, o imaginário se forma a partir da subjetividade de cada um. Porém, nesse aspecto, reforçamos outro elemento imprescindível, a presença da mediação na leitura, as vozes que dialogam com a leitura significando alimento para esse imaginário, substancialmente auxiliando a elaboração de um raciocínio investigativo capaz de revelar esse tear social em que todos nós estamos inseridos, uma vida intimamente ligada à outra por fundamentos comuns que precisam ser assegurados independentemente de condições alheias à nossa vontade.

Por intermédio da leitura literária podemos viver tantas vidas distintas das nossas quanto quisermos, e nessas jornadas de personagens percebermos similaridades para além de quaisquer aparentes diferenças. Voltamos ao ponto em que a leitura funciona como uma intersecção de conhecimentos, uma escolha pela coragem de promover o próprio esclarecimento. Acompanhando múltiplas vozes narrativas, no laboratório ficcional do pensamento, passamos a vislumbrar o que almejamos como bem estar social para nós no todo. E nesse contexto compreendemos que o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à igualdade, não podem estar atrelados à etnia, à classe social, ao gênero, à formação e ao desenvolvimento psíquico e intelectual, são direitos comuns a todos nós e que precisam da vigília e da participação constante de cada pessoa para que se garantam.

O papel de quem acompanha a vida de crianças e jovens é justamente ler com eles os livros e o mundo, não somente para ensinar a partir de suas próprias experiências, mas, e talvez principalmente, para refletir com eles caminhos para a humanidade.


foto Patrícia Ribeiro
Fotografia de Patrícia Ribeiro

* Penélope Martins é escritora, narradora de histórias, criadora e intermediadora da revista virtual Toda Hora Tem História, um espaço para reflexões e partilhas de conteúdos literários para todas as idades. Entre seus livros, destaca-se para o público jovem Minha vida não é cor-de-rosa, publicado em 2018, pela Editora do Brasil, ganhador do primeiro lugar do Prêmio da Biblioteca Nacional, em 2019.

Minha Vida Não É Cor de Rosa banner editora do brasil
Minha vida não é cor-de-rosa

E aí, vamos de história? #roteironainternet

Sem trilha sonora, não tem história. Desculpa lá, a gente precisa daquela música  embalando a emoção, preenchendo a imaginação com frases, imagens e melodias… E para sacudir e elevar o astral? Cantar uma canção é receita fatal! A música conta e faz a história, e quando a gente se dá conta está repetindo a letram, dançando pela casa: música é chiclete no asfalto quente, gruda com força na gente. Por isso, nada melhor do que escolher bem o que vamos escutar, aonde vamos nos “grudar”.

Nosso roteiro pela internet, começa com cantoria, na voz da cantora e narradora de histórias Mariana Per. Afasta a mesa da sala e aumenta o som!!

 

 

E depois de viajar com as canções que ecoam de Mariana Per, vamos dar um rolê pelo mundo do CANTO QUE CONTA de Cristiano Gouveia. Cristiano conta história com composições próprias misturando múltiplas linguagens. Eu nem preciso falar que essa nossa viagem tá pra lá de aconchegante…

Bora compartilhar com nossas amizades?

Ah, e não se esqueça de se inscrever nos canais dos artistas: Mariana Per e Cristiano Gouveia, ambos no Youtube. Aproveita para deixar lá um recadinho carinhoso, agradecendo pelos vídeos. Garanto que eles vão adorar.

E aí, vamos de história? #roteironainternet

Mochila nas costas, pé na estrada! É hora de seguir viagem conhecendo novos mundos. No nosso caso, a viagem é aí dentro da sua cachola com ajuda de um computador ou de um celular que acesse a internet.

Ixi, você não imagina como era viajar pela internet no tempo do guaraná de rolha, quando a linha telefônica discava e fazia um barulhão conectando. Eu ficava rindo de pensar na possibilidade, em algum momento, que aquele chiado falasse comigo, dizendo assim: “No momento não foi possível completarmos a sua navegação”. Pena que nunca falou. Se fosse hoje, garanto que falaria. A tecnologia vai de vento em popa. Sabe o que é popa? Bom, para bom navegador, essa palavra é pingo em letra bem fácil de decifrar. Mas e para quem navega pela internet sem nunca ter colocado os pés dentro de um barco de verdade?

Opa, por falar em verdade. Verdade mesmo é que as histórias, tantas que achamos por aí a cada porto que visitamos nessa viagem, podem nos colocar dentro de barcos, aviões, balões, ou até em cima de uma mula. Mas e se a mula der ré e falar com a gente, hein? Porque mula dá ré, não sei se você sabe…

Pois é, popa, vento, mula, história pra dedéu. Melhor a gente entrar na casa do compadre Giba Pedroza e passar uma temporada por lá, quem sabe aprendendo umas coisas novas com os causos que ele poderá nos contar.

 

 

Giba Pedroza é narrador de histórias e escritor. Entre seus livros já publicados, estão: A lenda do preguiçoso e outras histórias; Alecrim dourado e outros cheirinhos de amor, em parceria com Lenice Gomes; e outros mais. Procure saber. Ah, e o mais importante: divirta-se também com o Cafuné (no canal Giba Contos, youtube), uma série de vídeos em que Giba conta histórias mediando a leitura com sua filha Olívia.

livro: Lenda do preguiçoso e outras histórias, A, de Giba Pedroza

E aí, vamos de história? #roteironainternet

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A nossa viagem pela internet encontra caminhos cruzados o tempo todo, é um jogo de esquinas paralelas e sobrepostas, parece coisa de outro mundo, e no final da rua tem uma placa com convites variados. O desafio da escolha no clique: para onde eu vou agora? Aconteça o que for, saiba: quanto mais você aprender, mais ainda terá por conhecer. Por isso, é importante correr o risco, encarar a emoção da aventura por terras nunca antes navegadas.

A imaginação é um terreno fértil com mágica de multiplicação. Na faz de conta não existe um mais um igual a dois, porque um nunca é um, e o dois por dentro tem milhares de pequenos pontos de luz que nos levam para outras viagens. Além disso, tem muito conhecimento que vem em história muito muito antiga, de muitos muitos povos. E você sabe, né, conhecimento é feito da mesma mágica da multiplicação que existe na imaginação.

Já reparou, quanto mais a gente lê e ouve histórias, mais histórias queremos conhecer.

Será que ficou confuso? Calma, calma, respira! Epa, não precisa fazer manha, nem chororô! Eu sei direitinho como ajudar a escolher um percurso especial em bem querência e imensa sabedoria.

Meu nome é Penélope Martins, eu sou escritora e narradora de histórias e, junto com você, estou a buscar mais e mais histórias para ver, ouvir e contar.

Prepara o fôlego para mergulhar pelas terras do youtube, onde existe o pequeno vilarejo chamado Agbalá. Mas não se engane, Agbalá tem como porta de entrada um cabaça que se abre para contar histórias, porém, por dentro dela é tem um continente inteiro!

 

 

Quem conta histórias no Agbalá é a narradora, atriz e pesquisadora Giselda Perê, Mestre em Mitos e Contos Tradicionais Africanos e Afro brasileiros, intermediadora em cursos para educadores com práticas em arte-educação de combate ao racismo e a intolerância religiosa.  Giselda já atuou como coordenadora e educadora de diversos espaços, como o Espaço de Leitura e o Museu Afro Brasil, além de oferecer formação para educadores da Fundação Casa. Diretora na empresa Perê Produções, Arte e Educação, atuante em ações artísticas de culturas tradicionais, Giselda é uma referência na arte narrativa.

Bom, agora tem história a beça pra gente na voz encantada da Giselda… Eu não disse que a imaginação multiplica, então…

Então, até o próximo roteiro!!

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E aí, vamos de história? #roteironainternet

 

1 tratado
Nívola Uyá, ilustração para o livro Que amores de sons, texto de Alexandre Honrado e Penélope Martins. Editora do Brasil.

Castelos com reis e rainhas e príncipes e princesas, e festas, muitas festas onde músicos mágicos conseguem tocar mais de um dia e uma noite, sem parar. Florestas densas onde a luz do sol não adentra, e há uma serpente misteriosa que se comunica com uma mulher feiticeira que mora lá naquela casinha que ninguém sabe onde fica. Cavernas esquecidas que levam para o outro do mundo, onde fantasmas de piratas guardam baús enormes de ouro e lavas incandescentes saltitam dentro de algum um buraco que vai dar bem no coração da terra.

Desertos, luas, planetas… Tudo isso cabe na história.

Mas quem sou eu, o bem ou o mal? Heroína, herói, bruxa, mago, amazona ou cavaleiro?

Ao contar histórias, voltamos ao começo de tudo e de nós mesmos, apuramos a escuta, compreendemos nossas emoções, estabelecemos confiança em nós mesmos, refletimos sobre outras possibilidades de trilhar a jornada, investigamos a razão, alguma espécie de virtude nos faz acreditar. Somos um pouco de cada personagem ou cada personagem simboliza um pouco do que somos, porque a história é feita desse diálogo de fora e de dentro da gente.

É através das histórias, contadas por muitas e muitas gerações, que poderemos viver eternamente…

Meu nome é Penélope Martins, eu sou escritora e narradora de histórias e, junto com você, estou a buscar mais e mais histórias para ver, ouvir e contar. Também podemos andar a relembrar brincadeiras, canções, visitar museus e exposições, saber de alguns filmes dignos de dose dupla de pipoca e gomas… Essa viagem não terá fim, já sei bem. Por isso, considere como dicas por um roteiro interminável na viagem pela imaginação.

Bora lá? Pra já, vamos explorar as terras férteis do Youtube, onde narradores de história do mundo inteiro perpetuam vozes antigas de todos os povos.

A primeira cidadela que eu escolhi pousar foi a de Dona Regina Machado, escritora, narradora, educadora, e mãe do Festival Internacional Boca do Céu. Mas lembre-se, essa é a primeira viagem, e com Regina Machado tem muita história boa para ouvir, por isso, a gente vai passar uns tempos por lá, de um vídeo para o outro, aproveitando cada segundin bem passado…

Mas não se esqueça que eu volto aqui para seguir viagem!

 

Regina Machado também é autora de diversos livros, como Nasrudin, O menino e o vento, O violino cigano, todos com contos ótimos para contar histórias por aí. Ela também é autora do livro “A arte da palavra e da escuta”, uma reedição da síntese teórico-poética a partir de sua experiência dentro e fora da Universidade de São Paulo desde 1984, uma obra que estabelece função cultural, social, estética e educativa para a arte da narração, além de refletir sobre a importância de se contar histórias atualmente.

Foto 1 - Livro - A arte da palavra e da escuta

Bom, por enquanto, estamos assim, em excelente companhia. E logo mais a gente volta para a estrada da internet à procura do próximo pouso.

Até lá!!

 

Competir ou compartilhar?, por penélope martins

Sinceramente, eu estranho como tratamos nossas crianças. Passamos os primeiros anos fazendo com que elas se socializem, dizemos para elas sorrirem e fazerem gracejos, elogiamos quando saem correndo para abraçar os amiguinhos da escola, quando partilham o lanchinho com outras crianças no parque. Depois, algo bruscamente se quebra. Começa a saga da escolaridade junto com a gama de observações dispensáveis dessas pessoas adultas que supostamente deveriam ser mais maduras para se considerarem responsáveis sobre seus filhos; ah, como são bons nisso ou naquilo, esses meninos, ah, como minhas filhas são lindas e mais altas e têm inteligência peculiar, e assim por diante.

Um descaso com o equilíbrio mental das crianças, eu diria. Uma fúria por incentivar a competição desde muito cedo. “Corra, não vê que sua amiga já chegou lá?”, frases que passam longe de motivar, ao contrário, são alavancas para um individualismo que consumirá as potências humanizadoras no futuro.

Dentro desse caldo, obviamente, é preciso identificar quais os tipos de adultos na  missão de criar crianças, e existem vários. Se mais conservador, a competição é questão de sobrevivência, enquanto para o progressista libertário, competição se justifica com auto-estima. Nem um, nem outro. Sinto muito.

Quando será que as crianças poderão ficar livres para seguir compartilhando lanches, dúvidas e sentimentos?

No modelo atual, nunca.

O tempo todo somos motivados a disputar, a desejar o que não precisamos só para manter certa arrogância social, a valorizar as conquistas efêmeras com um pretenso mérito que desconsidera a oportunidade que muitos não tiveram. O tempo todo somos consumidos pela ganância de aparecer, e em tempos de rede social, há até uma ilusão de “patente” sobre o que se é.

Recentemente eu tive que ouvir, de uma pessoa que trabalha com arte e cultura, que ela tinha sido inquirida por outra artista por se trajar de maneira semelhante a sua. Tristeza que me abateu. Falta tanta ação provocativa de arte e cultura que, mesmo fôssemos atuantes em frentes idênticas, ainda seria pouco para a grandiosa tarefa de sensibilizar o mundo. No mais, essa ideia de exclusividade é tão equivocada quanto a ganância de competir, competir, competir para ser eu mesma? Cada um é o ser particular que é, mas ainda assim somos bilhões e é bem capaz que tenham pelo menos uma centena de gêmeos espalhados por aí. Além do mais, que bom inspirarmos uns aos outros, não?

Lembro-me do poema O capitalismo, de Ana Perez Cañamares, que entre tantos versos pertinentes, diz, respondendo ao próprio inferno que é o mecanismo capitalista quando ele aponta que ela deve se sentir melhor do que as outras: “y yo callo que yo no quiero ser artista / si eso va a convertirme en diferente / porque ya me siento lo bastante sola /
y no quiero competir en más carreras”.

Quando escrevi Minha vida não é cor-de-rosa tentei resgatar meu sentimento na infância e na adolescência sobre minhas relações com outras meninas. Eu sentia tanta necessidade de ter amigas como se fossem irmãs. Eu tinha um irmão, na época. Só 13 anos depois, minha mãe ficou grávida de outra menina, e essa eu tentei proteger como não pude a mim mesma.

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Minha vida não é cor-de-rosa

Desculpe lá, isso era para dizer que estamos prontos para morrer de tanto competir. QUE TAL INVERTER? Alguém ganha um prêmio, que ótimo existirem prêmios que motivem a cena. Outro se deu bem em concurso, espero que faça bom uso da carreira. Há quem esteja absurdamente feliz nas fotos, e isso é muito melhor do que lidar com gente infeliz no mundo. O fulano arranjou emprego? Opa, que ótimo alguma movimentação positiva na economia. E aquele que levou a melhor com um projeto aprovado em lei de incentivo, hein, será que me dá umas dicas para que eu me inscreva na próxima?

A vida não é mar de rosas, já bastam as dificuldades. Mais fácil ficaria se pudessemos nos perdoar desse lixo todo. E sim, precisamos amar de fato nossas crianças.

Se hoje é Dia Nacional do Livro, espero que sirva para boas histórias. Talvez alguma que fale de cooperação, de amizade. Ou, quem sabe, alguma em que me deixe chegar atrasada, pelos menos um bocadinho, sem culpa…Nenhuma descrição de foto disponível.

 

 

 

 

 

 

 

* Penélope Martins é escritora e narradora de histórias, gosta muito de gente e, por isso, cuida com carinho do Blog Toda Hora Tem História.

A feijoada literária, ou, Quem foi mexer na minha cumbuca?, ou, Original é o ovo ou a galinha?

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Imagem colhida da internet – sem identificação de autoria. (Eita, isso aqui tá pior do que discutir adaptação? Por favor, quem souber quem botou esse ovo, não tenha pena de informar.)

Um dos temas que sempre ressurge enfatizando ânimos distintos é a adaptação de um texto literário original. Poderíamos até começar questionando o que é originalidade, mas isso daria um trabalho que, por hora, atrasaria a feitura do nosso angu: adaptar ou não adaptar, eis a questão.

Eu gostaria de falar duas coisas sobre o assunto. E mais algumas.  A primeira coisa, os direitos do autor no Brasil tem 70 anos de proteção a partir de sua morte. Ou seja, o autor vai viver usufruindo dos seus direitos,  inclusive permitindo que sua obra sofra ou não adaptações – para qualquer linguagem, e, depois de morto, o autor promoverá seus herdeiros à condição de autores, mesmo que eles não sejam, porque os direitos autorais são patrimônio e a partir de sua detenção decide-se a vida da obra. Inclui-se aqui licenciamento de personagens para uso irrestrito de comercialização de produtos. Pois bem, a segunda coisa, a partir de mais de 70 anos de vida de uma obra artística, morto autor e contando anos de sua concepção durante a vida do mesmo, tem-se o que se chama domínio público, e nesse momento, o original se aparta de todo o resto, porque poderão vir todo tipo de boas ou más adaptações, tanto da forma como do conteúdo.]

Um exemplo, quem lê James Barrie vai entender e poder imaginar a Terra do Nunca diferente das imagens que os Estúdios Disney coloriram tão bem, isso porque a interpretação do roteiro e da direção também renovaram a obra em outra obra cinematográfica. Adaptação. O cinema faz isso sempre, muitas vezes com primazia. E nem sempre corremos ler o livro que originou o filme. Por vezes nem se sabe que existiu um livro anterior. Ou, até tem filme que fica melhor do que o livro…

Portanto, se temos agora versões de uma obra que já se encontra em domínio público, isso não exclui a convicção popular de que existe uma origem e que ela foi amplamente distribuída pelo território com a força de todos os anos em que esteve no domínio autoral do próprio artista, e depois de seus herdeiros, inclusive circulando com adaptações autorizadas por eles enquanto detentores dos direitos patrimoniais de autoria, admitindo cortes e modificações moldadas ao mercado cultural, educacional ou meramente comercial.

Quando eu fiz a versão de Pinóquio, optei por trancafiar o grilo no armário. Eu não quis matar o grilo, nem achei bom ter uma consciência externa ditando regras – porque ninguém pode ditar consciência de ninguém, ao menos na minha concepção. Também escolhi trazer outro final para o menino palito que virou menino de verdade, levando aquela moralização da história para bem longe dos meus leitores. Pobre Colodi? Caiu nas teias de Penélope? Do mesmo jeito, a cada nova edição de livro, brinquedo, animação, cinema, o garoto de madeira ganha uma nova feição. Que assombro para os mais conservadores que devem achar o original, ainda que não desenhado pelo autor do texto, o único legítimo representante do nome Pinóquio.A imagem pode conter: desenho

Os leitores da minha versão sabem o que é uma versão. Aliás, a boa fé editorial sempre faz saber que uma história da tradição está sendo recontada ou que o original está adaptado naquela edição. Assim como leitores de adaptações literárias, imagéticas, audiovisuais, ou de qualquer outra natureza, saberão, de um jeito ou de outro. Ninguém lê uma adaptação de texto em quadrinhos de um conto do consagrado Machado de Assis sem saber quem foi Machado de Assis (ou pelo menos questionar sobre seu nome e existência). Todavia, é bem possível que uma pessoa leia em quadrinhos o que não lerá em conto, romance.

Aqui eu vou abrir parênteses para uma questão sobre originais. A tradução também pode ser vista como uma adaptação uma vez que a escrita de uma história parte de uma concepção de mundo de quem escreve, além de uma estrutura linguística imbuída de uma lógica construída pela história de um determinado povo. Quem lê somente o original, lê na língua em que foi escrito. Isso também se vê quando a oralidade é traduzida para a forma escrita da literatura, onde as escolhas são feitas a partir de uma ótica de quem escreve. Quem garante a veracidade da história recontada ou traduzida? Não seria a história permeada de múltiplas verdades ou interpretações?

Para apimentar a feijoada de leitura, também podemos ressaltar que a arte nas ilustrações também emana criações que renovam a originalidade primordial de uma obra, uma vez que, costumeiramente, quem escreve não o dá corpo imagético delineado que o desenho oferece para as personagens.

E se por acaso a autoria da adaptação de texto optar por dar à história uma voz mais aproximada de novos conceitos, por exemplo, contemplando discurso de igualdade étnica entre personagens, mantendo distância de um ou outro personagem que lhe pareça insignificante ou deturpador ou tóxico (como quem tranca um grilo falante)? Ainda assim os leitores saberão que se trata de uma adaptação e terão sempre à disposição o original que gozou de amplos direitos autorais durante pelo menos um século.Nenhuma descrição de foto disponível.

Nesse caldo, uma discussão muito pertinente revira as mentes leitoras no Brasil. Ler Lobato ou não ler? Adaptar para uma linguagem sem repetição contínua de preconceitos ou manter o texto original com notas?

Outro ponto para abrir parênteses. Vale dizer, crianças de 6, 7, 8, 9 anos ou mais, não leem notas explicativas, e todas podem se identificar demais com personagens das histórias assumindo, inclusive, novos comportamentos por admiração. Não é raro ver uma menina vestida de Emília em festividades escolares, ou mesmo uma professora que assume seus trejeitos para contar histórias.

Embora eu tenha gostado de Emília, aquela guriazinha sem papas na língua, sinceramente, eu não me fiz fã da literatura de Lobato. Talvez porque a minha casa era negra e branca desde que me conheço por leitora. Eu não poderia gostar de um menino chamando Anastácia de macaca. Numa família de trabalhadores braçais, que não tinha fazenda e nem entendia o contexto emocional de aceitar uma sinhá servida por escravos, certas histórias só repetiam dor. Talvez, por isso, eu, enquanto autora, não tenha entrado em tantas outras discussões sobre Lobato.

Mas, tomando de partida que o Sítio do Pica-pau amarelo é um dos grandes ícone da literatura para infância no Brasil, talvez o topo de lista nas escolas, e que o país tem uma cultura racista, machista, misógina e altamente colonizadora, adaptar talvez represente salvaguardar novas gerações no repetir de padrões doentios. Depois, quem quiser ler o original e as notas de rodapé, numa fase de vida mais crítica e autônoma, poderá fazê-lo. Ou não. Ninguém morrerá por não ler Lobato, assim como não morrerá se passar a vida sem os escritos do grande mestre da nossa literatura Machado de Assis.

Narizinho, adaptação da obra de Lobato, por Pedro Bandeira, selo Editora Moderna

Por enquanto, acho que autores como Pedro Bandeira são corajosos em promover a adaptação de Lobato, dialogando temas contemporâneos e uma nova visão de mundo em nova edição. No mais, vale lembrar, que o próprio Lobato foi adaptador de textos estrangeiros e que ele mesmo fez da oralidade um arcabouço de saberes de sua própria autoria incluindo os mitos e os contos de fadas em suas obras sem o menor constrangimento de lhes adaptar significados nas bocas de suas personagens. Para além, Lobato autorizou transformar sua literatura em outras linguagens, incluindo a inauguração do sítio na televisão – com adaptação de outra escritora memorável, Tatiana Belinky – permeando episódios da saga da turma de Emília com publicidade dirigida diretamente para crianças, coisa que se tinha direito naquela época e que hoje aprendemos ser um verdadeiro absurdo.

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Por fim, gostaria de meter a mão na cumbuca e incluir uma adaptação também de uma frase desse autor que tem até um dia para lhe comemorar a existência no calendário nacional, o dia 18 de abril, Lei nº 10.402, de 8 de janeiro 2002, dia de Monteiro Lobato, não senhor Lobato, um país não se faz com homens e livros, um país se faz com seres humanos livres tratados assim por sua dignidade e seu poder de expressão.

 

– Penélope Martins, escritora e narradora de histórias.

 

Vozes da Tradição

 

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Para conhecer melhor o livro, o ideal é ler a breve apresentação, escrita por Marco Haurélio, reproduzida abaixo:

Quando os irmãos Jakob e Wilhelm Grimm registraram, em 1812, a literatura oral de seu país, a Alemanha, não faziam ideia do sucesso de sua iniciativa, em especial no tangente aos contos populares, a parte mais significativa de sua recolha. O fato é que, com o êxito alcançado pelos Contos da criança e do lar, outros pesquisadores europeus, impregnados do mesmo espírito romântico que moveu os alemães, foram a campo em busca de lendas, baladas, romances e das velhas histórias narradas ao pé do fogo, sementes espargidas e cultivadas no fértil solo da imaginação humana. Quando o termo folclore foi consignado em 1848, pelo inglês William John Thoms, sob o pseudônimo de Ambrose Merton, em artigo publicado na revista The Atheneum, o conto tradicional, irmão da lenda e filho do mito, já havia alcançado, em vários países, a merecida atenção de escritores e estudiosos.

Antes, a novelística popular mereceu registros em recriações literárias, algumas em versos, como Os contos de Canterbury (1387), de Geoffrey Chaucer, e os lais de Maria de França, ainda no século XII. Em prosa, destacam-se as jornadas do Decameron (1348-53), de Giovanni Boccaccio, o livro do Conde Lucanor (1335), de D. Juan Manuel, Os contos e histórias de proveito e exemplo (1575), de Gonçalo Fernandes Trancoso, além do impressionante Pentamerone (1634-36), de Giambattista Basile, obra-prima do barroco italiano. Inspirado neste último, sem a mesma espontaneidade, Contos do tempo passado ou Contos da Mamãe Gansa (1697), de Charles Perrault, coletânea moralista celebrizada pelo tempo e contemplada com muitas reedições, levou à corte francesa as histórias da gente humilde, devidamente polidas e adaptadas ao gosto do (nobre) freguês.

Isso sem falar no conjunto de histórias prevalentemente maravilhosas provenientes do mundo árabe, o monumental livro das Mil e uma noites, traduzido e apresentado ao Ocidente pelo orientalista francês Antoine Galland, cujo primeiro volume foi publicado em 1704.

Coube a Adolfo Coelho a empresa de ser o desbravador desta seara em Portugal, com Contos populares portugueses, publicado em 1879. Foi seguido por Consiglieri Pedroso, autor de Portuguese folktales (1882), em edição inglesa, e por Teófilo Braga, com Contos tradicionais do povo português (1883). Igualmente relevante, a antologia de Contos tradicionais do Algarve, de Ataíde Oliveira, reuniu 400 contos do sul de Portugal, ampliando a área geográfica e as possibilidades de comparação e confronto.

No Brasil, a iniciativa pioneira coube a Silvio Romero, autor de Contos populares do Brasil (1885), publicado originalmente em Portugal, com organização e notas de Teófilo Braga. Antes, o estudo do geólogo canadense Charles Frederik Hartt, Os mitos amazônicos da tartaruga (1875), com o Jabuti, grande trickster dos contos indígenas, e a coletânea O selvagem (1876), do General Couto de Magalhães, apresentaram contos de origem indígena ou tradicionalizados entre os povos nativos da Amazônia. A coletânea de Sílvio Romero, no entanto, teve o mérito de ser abrangente, enfocando, além dos supostos contos indígenas, contos de origem africana e europeia. Há que se levar em conta o esforço do coletor, que se dispensou de um trabalho comparativo, privilegiando critérios antropológicos e raciais, em voga na época. E, por isso mesmo, incorreu em equívocos, como o de arrolar entre os contos africanos Doutor Botelho, história na qual um macaco aparece como auxiliar do herói de origem humilde, que, graças aos seus préstimos, acaba casando com uma princesa. Apenas esta breve descrição nos mostra ser esta, em linhas gerais, a hoje conhecidíssima história do Gato de botas, divulgada por Charles Perrault, na versão literária do século XVIII. A coletânea se reveste de grande importância, também, por abrir uma picada, inspirando, em diferentes épocas, outros pesquisadores das tradições populares.

Imprescindíveis são as obras de Lindolfo Gomes (Contos populares brasileiros, 1915), João da Silva Campos (Contos e fábulas populares da Bahia, 1928), Aluísio de Almeida (142 histórias brasileiras, 1951) e Luís da Câmara Cascudo (Contos tradicionais do Brasil, 1946). Mais recentemente, sobressaíram-se Ruth Guimarães, Waldemar Iglésias Fernandez, Oswaldo Elias Xidieh, Doralice Alcoforado, Bráulio do Nascimento, Altimar Pimentel e Edil Costa.

Ainda assim, são, lamentavelmente, raras as coletâneas de contos tradicionais brasileiros provenientes da fonte da memória. Raras diante das possibilidades oferecidas por um país de dimensões continentais, diverso na cultura e nas variantes linguísticas, nascidas das profundas desigualdades, reveladoras de nossas mazelas, mas também da resistência de povos de diferentes matrizes e matizes. O trabalho que empreendi, com a companheira Lucélia, supre em parte esta lacuna, preservando, sempre que possível, as marcas da oralidade, o estilo e a verve dos contadores, embora seja impossível reproduzir o gestual, as pantomimas e o momento em que os contos foram registrados.

Um exemplo: a excelente contadora Enedina Rodrigues de Sousa forneceu-nos as histórias de que se tornou guardiã numa noite de muito frio, fato raro na região onde mora, no quintal de sua casa, povoado de Palma, município de Serra do Ramalho, Bahia. O São Francisco, o rio de sua aldeia, era o cenário de fundo. Entre uma história e outra, ela cantou chulas e relembrou as debulhas de feijão do seu tempo de menina, ocasião em que as histórias eram contadas em jornadas que vincaram sua memória afetiva.

Apesar das dificuldades demandadas por uma iniciativa como esta, a recolha de contos de “primeiro grau” será sempre bem-vinda, especialmente por mostrar que, em pleno século XXI, as árvores do Jardim da Tradição ainda dão saborosos frutos. Este trabalho, como outros de minha lavra (Contos folclóricos Brasileiros Contos e fábulas do Brasil), encontra-se classificado de acordo com o Catálogo Internacional do Conto Popular, o Sistema ATU. As principais referências vêm do monumental Catálogo dos contos tradicionais portugueses (com as versões análogas dos países lusófonos), de Isabel David Cardigos e Paulo Jorge Correia, com o qual, orgulhosamente, colaborei. O professor Paulo é responsável, ainda, pela classificação de boa parte dos contos deste volume.

Na presente coletânea, todos os informantes e os locais da recolha são identificados. A maior parte dos contos pertence ao gênero maravilhoso, menos encontradiço hoje, devido a uma estrutura mais complexa, resultante de sua assombrosa ancianidade. É o caso de Guimar e Guimarim, que pertence ao ciclo de histórias que têm origem no mito de Jasão e Medeia, no qual o herói, numa terra estrangeira, conta com o auxílio da filha do rei para realizar tarefas impossíveis.

Se a literatura dos antigos salvou do esquecimento os deuses e heróis, os contos de tradição oral, por outro lado, preservam episódios e estruturas arcaicas, informações sobre ritos e mitos, nos conectando a um tempo que, talvez, somente nos sonhos e nos domínios do inconsciente ousássemos perscrutar.image.png