Há uma história muito, mas muito antiga que conta a saga de um príncipe para recuperar sua jovem e bela esposa que fora sequestrada por um rei maquiavélico.
Após o rapto, o maligno rei, que possuía asas e chifres como um demônio, levou a princesa para viver em seu palácio numa ilha perdida no meio do oceano, onde o príncipe jamais a alcançaria. Durante os dias seguintes, o rei molestador esteve diante da princesa com toda generosidade e delicadeza a fim de convencê-la a se tornar sua legítima esposa, mas a jovem só repetia palavras de fé em seu propósito de amar o príncipe de quem fora separada.
Passados muitos dias sem solução para a maldade feita ao casal, ao príncipe foi sugerido pedir auxílio para um poderoso monarca encantado, dono de poderes míticos e cujo corpo andrógino era de homem-macaco. Foi este monarca quem resolveu o drama. Depois de unir as mãos no centro do seu peito, agachar com suas pernas fortes e saltar sobre as águas, num único voo, alcançou a ilha, liquidou o rei diabólico e resgatou a princesa.
Toda sorte de coisa se passa nessa história de mais de quatro mil anos que eu brevemente (re)conto aqui. No final, quando o príncipe se vê diante de sua amada esposa, os deuses concedem ao monarca homem-macaco a realização de um desejo. E o que ele pede? Fé constante e confiança inabalável.
Revisitando a história, em busca de um significado puro para o amor que une o príncipe e a princesa, tomamos consciência que as grandes batalhas acontecem dentro de nós. Somos protagonistas e antagonistas das nossas demandas, usamos vestes de príncipe justo e imolado, mas também chifres de diabo; por vezes, lágrimas de sequestrado; em outras, coragem de bicho…
Talvez seja por isso que devemos preservar o ato de contar histórias, para nos auxiliar na reconstrução dos passos que damos pelo caminho da vida, para poder retornar ao começo e perceber o que antes passou despercebido, compreender nossas emoções, estabelecer em si mais força, mais altivez, a renovação da fé para continuar na estrada.
A narração de histórias encerra em si dois elementos essenciais para nossa possível humanidade: o primeiro deles é a própria escuta de sons, quer pelos ouvidos, quer pela vibração que vivifica a matéria no mundo, comprovando a mutabilidade inerente à vida; o segundo elemento é a busca da sabedoria pela investigação da razão e do sentimento que se propaga na ação humana.
Contamos histórias que vêm de muitos lugares, milhares delas sobreviveram os tempos que as sucederam, assim como transcenderam o lugar e a cultura em que surgiram por força de alguma espécie de virtude nelas contida.
Pela força que expressa, a história não se limita à figura do narrador; ao contrário, ela estabelece uma relação entre seres humanos. Movimentando sensações individuais, de dentro para fora, a história proporciona ambiente para o diálogo.
– Penélope Martins –
* Este texto foi publicado no Blog da Letrinhas, na Seção Caraminholas, com pequena biografia da autora.